Amigos, o tempo passa. Por mais simples que essa afirmação possa parecer, ela não é.
Pra começar, nem sabemos verdadeiramente o que é o tempo. Os maiores cérebros do mundo passam o tempo todo pensando sobre o tempo e a única conclusão a que eles chegam é que ele passa, e que perderam tempo demais pensando sobre isso.
Alguma coisa, alguma linha na programação primordial do universo, faz com que a quarta dimensão, aquela que fomos condicionados desde o nascimento a chamar de tempo, está sempre se deslocando para o que, de forma parecida ao tempo, fomos condicionados a chamar de futuro. Nessa programação estão também as linhas sobre a matéria e as linhas sobre as forças que controlam a matéria. Cada linha da programação não trabalha solitariamente, todas as suas equações dependem dos resultados das equações de outra linha de programação que, por sua vez, também depende do resto da programação, e isso tudo forma um loop infinito que dá dor de cabeça em qualquer ateu convicto.
Mas de qualquer forma, essa programação foi posta em funcionamento em um hardware incrível, o universo (que, só para constar, também está previsto na programação). E, depois de uma grande novela que os cérebros supracitados dedicam a vida inteira a descrever, desprezando todas as leis da lógica e da estatística, surge a vida em um planetinha insignificante, o nosso.
Depois de outra grande novela, que outros cérebros (não tão grandes quanto os anteriores, mas ainda assim brilhantes) também se dedicarão a descrever, surgimos nós, macacos superdesenvolvidos que se acham superiores aos outros macacos.
Nós ficamos assustados com o mundo todo, com esse exuberante resultado de uma programação de algumas linhas, e principalmente com uma parte dessa programação, a do tempo. Sim, por que é ela que nos determina o momento de nascer, o de ser feliz e passar os genes para a próxima geração e o de fechar os olhos e deixar para sempre de ser uma prova de que absurdos matemáticos existem. Nos impressiona tanto, que criamos modos de contar o tempo, desde o ciclo da lua até os divinamente precisos relógios de ciclos de radiação de rádio. Isso nos torna escravos do tempo, pois a partir daí nunca mais vamos poder ficar muito tempo sem olhar inúmeras vezes o canto superior direito da tela do celular, só para certificar-se quanto tempo se falta para ir dormir ou, mais inserido no contexto, quanto tempo se perdeu lendo um texto bloguístico inútil.
Mas simplesmente olhar as horas é algo impessoal demais. Criamos os finais de semana, as férias, a aposentadoria e, o ponto importante, criamos a idade.
Como que para comemorar sabe-se lá o que, fazemos uma festa uma vez por ano na data em que, em um certo número de anos anteriores, nós nascemos. Tem algo a ver com a felicidade de estarmos por tanto tempo vivendo e interagindo com e através desse hardware imenso. Não que faça muito sentido, no fim das contas, mas se tu for parar pra pensar, no fim das contas poucas coisas fazem sentido. Neste final de semana fui em uma dessas festas.
Muita gente legal, comida, muitas risadas, comida, muitos amigos, risadas e comida de novo. De forma geral, eu comi até quase estourar (era de graça mesmo) e ri como um condenado por diversas vezes. Muito bom mesmo.
De madrugada, eu, um amigo e o aniversariante jogamos videogames. Mas não essas coisas novas que existem hoje por aí, jogamos os velhos joguinhos, que antigamente (oh, como sou velho) não nos deixavam dormir simplesmente por que não podíamos dormir sem tentar passar mais uma fase, derrotar mais um inimigo, explodir mais um alienígena... Enfim. Super Mario World, Mortal Kombat, Bomberman e até Top Gear a gente desenterrou de um CD cheio desses games geriátricos.
A cada momento, eu sentia os meus processadores todos buscando informações no meu disco rígido. Até ontem eu nunca tinha entendido quando os velhos falam que não lembram da infância. Quando eu era criança e jogava aquilo fanaticamente, não me passava pela cabeça que iria esquecer algo. Eu pensava que aquilo que estava perenemente na minha memória RAM nunca iria virar arquivo fragmentado, mas foi o que aconteceu.
Essa busca aos tempos antigos dentro da minha cachola serviu para além de me alegrar ao descobrir que está tudo ali, só meio espalhado, serviu para me mostrar que o tempo passou para mim também. Desde o momento em que a minha cachola passou a funcionar, com as interações químicas de praxe, e surgiu o que se pode chamar de auto consciência, o nosso planeta insignificante já deu 14,8 voltas ao redor do Sol, e vão ser 15 voltas completas daqui a dois ciclos lunares... É, se for analisar isso bem, e levando em conta a média de longevidade de macacos superdesenvolvidos como eu, já se foi quase um quarto dessa minha existência. A quarta dimensão é uma linha muito cruel na programação primordial, isso ela é.
Mas não se pode ficar perdendo muito tempo com essas lamentações. A vida é algo brilhante. É tão simples, e tão grandiosa ao mesmo tempo... Nós que complicamos demais as coisas. Ela só não é mais simples do que ser feliz. Criar uma situação que faça com que o cérebro reaja de maneira a criar a felicidade é ridiculamente simples, graças à autoconsciência. Nós que mandamos na nossa vida, nós que mandamos nas coisas à nossa volta e nós que mandamos na nossa cachola.
Nós só não mandamos no tempo.
E, meus amigos, o tempo passa.