Eles conversavam alegremente, quando Fulano diz discretamente que precisa ir ao banheiro. Logo após ir, Siclano e Beltrano reiniciam o diálogo habitual sobre quem levará Fulano pra casa.
- Olha, eu não quero ir, ele mora lá no cafundó do Judas. – Diz Siclano.
- Eu também não, já fui assaltado várias vezes lá. – responde Beltrano.
- E o que tu estava fazendo lá?
- Visitando o Fulano.
- Hmm.
- Como disse?
- Eu disse “Hmm”.
- Ah ta.
- Mas não muda de assunto. Eu levo ele, mas tu tem que ir junto. Tenho medo de ir sozinho pra lá.
- Pra quê? A única diferença que eu vou fazer se ir vai ser a de que o ladrão vai poder assaltar um a mais.
- Ta bom, ta bom. É nessas horas que a gente vê quem são os amigos de verdade. Mas depois não quero ver você chorando no meu caixão.
- Chantagem emocional não cola comigo. E se você estiver morto, não vai ver mesmo que quisesse.
- Então deixa. Vamos mandar o Fulano voltar com um daqueles lá ó... – aponta para um moto-taxi - ... e se ele não tiver dinheiro pra pagar a gente paga pra ele.
- Depois ele liga pra dizer se chegou bem.
- Aham. E se ele não ligar?
- Então quer dizer que ele não achou nenhum orelhão funcionando. É muito normal os vândalos destruírem telefones públicos por lá.
- Mas e se ele não ligar por que não chegou bem?
- Daí nós não podemos fazer nada, oras. O problema é dele!
- Então pra que pedir pra ele telefonar se invariavelmente não vamos fazer nada a respeito?
- Pra não quebrar protocolo.
- É, faz sentido.
- E também pega mal se nós não demonstrarmos algum interesse no bem estar dele.
- Aham. Viu, eu estive pensando em uma coisa.
- Isto é novidade pra mim.
- Bobalhão. Ta, eu estive pensando nessas coisas de segurança e etc. Nós não podemos mais sair à noite sem medo de sermos assaltados, nem de levar o nosso amigo em casa por medo de não voltarmos vivos de lá. Isso sem contar os políticos que ficam roubando todo aquele dinheiro que poderia ir para segurança e educação, e, mesmo quando são pegos, mesmo quando seu crime é provado, eles saem livres do tribunal, e tudo acaba em pizza.
- Ah, me desculpe, tirei um cochilo. O que você estava falando?
- Eu estava dizendo que... opa! É de calabresa?
- É sim – disse o garçom.
- Desce uma pra mim – exclamaram os dois em uníssono.
E não falaram mais no assunto.
Há 11 anos
4 comentários:
Temos alguém enveredando para o caminho dos contos por aqui, ou será apenas um lampejo, como meus escritos quemomentistas?
Hehehe, ficou a tua cara esse diálogo, parece que eu te vejo falando.
Só vou prestar mais atenção quando eu for no banheiro em nossas reuniões, hehehe.
Abraço!
Adorei, muito bom mesmo.
O conformismo é uma droga mesmo, né? Lembrei de um texto da Marina Colasanti, "Eu sei, mas não devia" que fala sobre nos acostumarmos com algumas situações. É um bom texto...
Um beijão
E o pior é que isso acontece sempre.
Até conosco.
A nossa indiferença frente às barbáries é tamanha que vale uma frase que li há muito tempo e que me marcou:
"A morte de uma pessoa é uma tragédia. A de milhões, uma estatística."
Abraço, irmão (também te considero irmão, ok?)
Bah, que legal!!
Foi tu que escreveu??
A situação que a gente se encontra se tornou tão banal que nem nos damos conta!
E um texto destes nos faz lembrar disso!
Muito legal!
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