quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Da série "Histórias Bíblicas"

Era mais um dia comum no paraíso. O céu estava azul, o sol estava brilhando, os passarinhos estavam cantando e a brisa estava batendo. Tudo na mais absoluta perfeição. Os animais de todos os tipos e tamanhos estavam vivendo em total harmonia sem fome ou dores, em suma, sem problemas.
No coração da floresta, estavam os dois únicos humanos dessa reserva florestal utópica. Uma mulher linda, com proporções femininas exatas e beleza inalcançável, vestida apenas com folhas e flores. Ao seu lado, um homem igualmente lindo, com proporções masculinas exatas e beleza igualmente inalcançável, também vestido apenas com folhas e flores, transbordando virilidade e com uma cicatriz bem característica na altura do abdômen.
Conversavam sobre os assuntos do momento: como as jabuticabas logo ao norte estavam tão impecáveis quanto as logo ao sul, como os tigres com aparência dócil realmente eram dóceis, ou como o clima estaria dali a algum tempo. Não que fizesse diferença, por que o clima era invariavelmente de um fim de tarde de sábado, com uma brisa morna e com nuvens brancas que tinham formatos estranhos no céu. A questão era que estavam sem assunto. Como em qualquer outro dia de Primavera no paraíso. E era sempre Primavera no paraíso.
Eva (esse era o nome da mulher) tinha tido algumas idéias para quebrar um pouco a rotina. Uma vez por mês ela ficava de mau humor e se emburrava por qualquer coisa que acontecesse contra sua vontade. O que era estranho, por que o tempo não passava lá e “mês” era um conceito avançado demais para a época. Mas como ela gostava de inventar moda, e sobretudo ficar de mau humor, ela o fazia mesmo assim.
Adão (esse era o nome do homem) não sabia onde tinha errado. Eva lhe exigia assunto demais, coisa que não era possível no meio daquele lugar que não acontecia nada de interessante. Ficava pensando agora se havia feito a escolha a algumas eras. Ainda lembrava do seu diálogo com Deus:
- Olá Adão, tudo bem?
- Sim, Senhor, tudo bem. Como vai o filho?
- Vai bem. O pestinha andou fazendo uma baita bagunça aqui no céu juntamente com alguns anjos de baixo escalão e alguns demônios que passaram a temporada por aqui pra se refrescar um pouco. Estou pensando em dar um grande castigo pra ele uma hora dessas, mas ainda não pensei bem no quê. Quando surgir uma oportunidade eu aproveito. Alguma novidade?
- Nada Senhor. O Senhor sabe, aqui não acontece nada. É sempre a mesma perfeição. O tempo todo. Eu estava precisando de algo que gerasse alguma confusão, alguma novidade pra mim, talvez até um pouco de estresse, embora eu saiba que isso não existe aqui...
- Entendo. Sabe, Adão, eu andei pensando sobre isso, e acho que tenho a solução para o seu problema. Só que eu vou precisar de uma costela.
- Uma costela?! Mas nem a pau! Ela está muito bem no lugar onde está.
- Adão, no passo que está, ou você perde a costela agora ou perde o braço daqui algum tempo, entende?
- [suspiro] Está bem, BigBoss. Toma.
E entregou a costela para Deus, achando que seus problemas estavam resolvidos. Estava redondamente enganado.

Atualmente, sua relação com Eva estava se desgastando. Ela não queria mais sua companhia, pois sempre estava com dor de cabeça. Estava andando pra cima e pra baixo com uma serpente muito suspeita, grande e vermelha, que tinha a cabeça mais triangular que um lugar sem régua pode oferecer. Tinha chifres também, mas os parcos conhecimentos sobre animais que Adão e Eva tinham os impediam de notar que cobras não têm chifres.
Adão também havia notado que sua parceira estava tendo algumas idéias estranhas a respeito da Árvore da Sabedoria Proibida, algo sobre comer os frutos da tal árvore para saber mais que Deus e talvez tomar o seu lugar. Ele sabia que isso era só fachada, por que o que ela queria mesmo era um pouco de inteligência para ter o que conversar com ele. E (essa a pior parte do pensamento da Eva) ele teria que comer também, para poder levar o assunto adiante, já que mesmo uma pessoa um pouco inteligente não consegue manter uma conversa interessante com outra absolutamente ignorante.
Como ele havia percebido esse pensamente de Eva não vem ao caso, o fato é que ele percebeu. E não fez nada para impedir que ela levasse adiante o plano.
E aconteceu que, depois de dar uma volta por estar de saco cheio daquela conversa sobre jabuticabas, tigres e o clima, Eva voltou e sentou discretamente ao lado de Adão, sob a sombra de uma grande figueira. Ela estava meio nervosa, o que deixava claro que aquele era O Dia.
- Pois é, né, Adão...
- É...
- Dia bonito hoje, não?
- Aham. Cadê aquela sua amiga cobra?
- Que cobra? Não sei do que você está falando – ao falar isso, Eva desviou a cara e enrubesceu levemente.
- Como assim “que cobra?”. Estou falando da que você virou amiga e tem conversado sem parar de uns tempos pra cá.
- Ah, essa cobra... – nesse momento, Eva decidiu tocar para o alto o plano A, que era enrolar Adão, e decidiu ser bem direta:
- Escuta Adão, a minha amiga...
- A sua amiga é uma cobra! – interrompeu Adão.
- ...tem conversado comigo sobre a Árvore da Sabedoria, - prosseguiu sem se abalar – e disse que eu iria adorar o fruto. Ela disse que já provou uma vez dessa Árvore, quando ela ainda era plantada no céu, e disse também que a emoção foi tanta de acumular tanta inteligência e independência a Deus em tão pouco tempo, que foi como ser atirada do céu sem pára-quedas e cair em um lugar maravilhosamente quente, bem quente. Eu cheguei à conclusão que deve ser bom e que devíamos tentar.
- Não sei não, não gosto da idéia de seguir mais uma de suas amigas. Lembra da última? Seguimos o conselho da águia e tentamos voar por que segundo ela era uma sensação maravilhosa. Nos tocamos de um precipício e começamos a bater asas e nada aconteceu. Batemos mais forte e nada continuou a acontecer. Quando vimos, a única coisa que começou a acontecer, e bem depressa, era que o chão estava cada vez mais perto de nós. Nós batemos feio, e não fosse a nossa imortalidade e isenção de dores, nós sem dúvida estaríamos mortos e com uma certidão de óbito onde constaria “suicídio” ou “ausência de esperteza”. Isso sem falar do golfinho rosa “macho” que foi sua amiga por um tempo e nos convenceu a sentir o cheiro da água. Submersos nela.
- Está certo, algumas de minhas amigas foram um pouco maliciosas conosco, mas essa é diferente.
- Acho que já escutei isso umas duas vezes, ou três, ou seriam quatro? Quem sabe: todas as vezes que uma amiga deu uma dica dessas.
- ...
- E além do mais, Deus deixou expressamente proibido o consumo dos frutos daquela árvore. Não lembra? Tem uma placa pregada na frente da árvore, onde está escrito: “Não comam do fruto dessa árvore. Podem comer o fruto de qualquer árvore, menos dessa. Não podem comer dessa. Nunca. Sob nenhuma circunstância. Continuem acéfalos e sem ambição e principalmente sem conhecer os segredos do mundo que os rodeia. Fiquem Comigo”. Se bem que não sabemos ler, mas tem um “proibida” no nome da árvore, então não deve ser muito bom nós irmos contra. – disse Adão, em tom de quem encerra uma discussão.
Eva fez uma falsa cara de vencida e arrematou:
- Aff, está bem. Você venceu. Eu vou ir lá e vou comer. Se você não quiser, não coma. Mas se não comer, pode aposentar a nossa cama de folhas de palmeira de casal, por que comigo tu não dorme mais.

Uma semana depois, sentindo dores, tristezas, e estresse, Adão olha pra Eva e diz:
- Bem melhor, né? Muitíssimo melhor...

5 comentários:

Kari disse...

Gostei muito da forma como a estória foi contada. Uma forma descontraida e divertida.
O ruim é saber que o final é tão verdadeiro, né?

Ah! Me fez lembrar um vídeo que eu vi lá na faculdade. Tá aqui o link da parte 1 (http://www.youtube.com/watch?v=Y_2IDw6EOpg) e da parte 2 (http://www.youtube.com/watch?v=l2Z2z_tf7EU).
Se quiser e puder ver, é bem interessante.

Beijão pra tu,
Kari

Anônimo disse...

Nossa, manda pro Padre Quevedo!
Ele vai amar!

De repente numa próxima releitura do livro mais vendido no mundo alguém não se anima e publica as histórias desse modo didático e ligeiramente sarcástico...

Um abraço, maninho!
Bom findi!

Anônimo disse...

Perfeito.

Até parece eu escrevendo, nos tempos áureos...

Anônimo disse...

Hahaha
óóótimo, Perfeitinho!

Está melhorando sempre na escrita, hein?! Coisa boa!!! ^^

Se eu demorar a aparecer é pq a vida ta uma loucura! ¬¬

Bom fdsss
bjooooooo

Unknown disse...

Grande Marquinhos! Mandou muito bem, é aquilo que eu já disse, mais um pouco e dá pra sair um livro. Vai juntando seus textos que a oportunidade acaba aparecendo.
Um abraço!